Música
"A música é o remédio da alma triste." (Walter Haddon):
Testes revelam que as pessoas sem formação musical reconhecem um acorde, uma melodia inacabada ou variações sobre um tema tão bem quanto um músico profissional.
Por Emmanuel Bigand
O Centro de Recuperação Social Renascer em Oração Sociedade Espírita inicia neste mês, textos que vão nos ajudar na preparação para o estudo da música, ou Apresentação de Coral, etc... Vamos nos preparar para encontrar a luz que está escondida, mas existe... dentro de nós !!!
A importância das atividades musicais nas civilizações humanas testemunha um paradoxo: a música é uma estrutura sonora complexa sem função biológica precisa cujos elementos de base não se referem a nenhum objeto ou acontecimento real.
Segundo o psicólogo Steven Pinker, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, a música não seria nada além de um “cheesecake” auditivo, insignificante para a evolução da espécie e privada de qualquer valor adaptável. Sendo assim, é provável que os recursos cerebrais envolvidos nas funções “nobres” e úteis, como a linguagem.
No entanto, é fato que essa maravilhosa “futilidade” tem efeitos consideráveis no Ser humano. Imagine-se o poder da música que consegue ao mesmo tempo acalmar bebês e dar coragem aos soldados que partem para campos de batalha. Imagens cerebrais mostram que certas zonas do cérebro são ativadas tanto pela música quanto por estímulos biológicos fortes.
Como ingestão de alimento, consumo de drogas ou ainda relações sexuais. A música pode também reduzir a ativação das áreas cerebrais implicadas em emoções negativas.
Como um estímulo artificial que, não desempenha papel biológico direto para a sobrevivência, adaptação, nutrição, tampouco para a reprodução da espécie, é capaz de produzir tamanho efeito no cérebro? Parece difícil dar conta do papel da música nas sociedades humanas sem considerar que importantes redes neuronais lhe sejam concedidas.
"A música é a revelação superior a toda sabedoria e filosofia." (Beethoven)
Alguns neurobiólogos abordam essa questão recorrendo à análise anatômica do cérebro de músicos – pessoas que tiveram formação profissional em música – e de não músicos. Certamente, tais estudos revelam alterações anatômicas, mas devemos evitar a armadilha de reduzir diferenças de aptidões musicais a simples diferenças anatômicas.
A SIMPLES ESCUTA DE COMPOSIÇÕES TONAIS TORNA MUSICALMENTE EXPERIENTE UM OUVINTE SEM FORMAÇÃO EM MÚSICA
Com base na constatação de que existe muito mais similaridade que diferenças entre os cérebros de músicos e de não-músicos, postulamos que as redes neuronais postas em jogo nas atividades musicais se desenvolvem mesmo na ausência de um aprendizado intensivo. Em outras palavras, a simples escuta (e não a prática) basta para tornar o cérebro “músico”.
A idéia de que um cérebro “não-músico” possa ser expert no processamento das estruturas musicais surpreende. Trata-se, no entanto, de uma conclusão apoiada em numerosos estudos feitos sobre a aprendizagem implícita, isto é, aquela de que não temos consciência (contrariamente à explícita, consciente).
Essas pesquisas demonstraram a extraordinária capacidade do cérebro de interiorizar as estruturas complexas do ambiente, mesmo quando só estamos expostos a elas de maneira passiva. Tal aprendizado implícito inconsciente é fundamental para a adaptação e sobrevivência da espécie. Além disso, é observado em todos os domínios e foi adquirido desde cedo no curso da evolução.
"Os músicos não se aposentam - param quando não há mais música em seu interior."
(Louis Armstrong).
Os recém-nascidos passam por aprendizados de grande complexidade, tanto para a linguagem quanto para a música: quando bebês de alguns meses ouvem uma melodia, eles manifestam forte reação de surpresa no momento em que uma nota é substituída por uma outra que infrinja as regras musicais.
Os bebês denunciam a própria surpresa sugando o seio mais rápido ou virando a cabeça para o lado de onde vem o som. Deduzimos que os circuitos neuronais envolvidos nas atividades musicais se organizam bem antes e independentemente de qualquer aprendizagem explícita da música.
É possível constatar também que uma rede de neurônios artificiais pode aprender de maneira passiva as principais regras de harmonia tonal se exposta a sequências musicais que obedecem às regras dessa harmonia. Em tal rede, um conjunto de neurônios ditos “de entrada” recebe informações sobre as notas em forma de uma sequência de 0 e 1. A rede “aprende” a identificar as configurações de notas que aparecem frequentemente juntas. Assim acontece, por exemplo, com dó-mi-sol, que formam o acorde dó maior, muito comum na música ocidental.
A rede se habilita a ligar todas as notas às configurações harmônicas possíveis no estilo da música ocidental tonal, ela aprende as relações musicais possíveis entre as notas e os acordes, depois entre as notas, os acordes e as tonalidades. Com isso, poderá simular as organizações musicais percebidas pelos ouvintes familiarizados com esse sistema musical. Se uma rede artificial realiza em algumas horas essa aprendizagem, por que uma rede natural de neurônios, mais elaborada, não o faria também sendo exposta no cotidiano à música tonal?
Por conseguinte, a simples escuta da música ocidental tonal torna musicalmente experiente um ouvinte sem formação em música. As aptidões musicais dos ouvintes sem formação explícita se revelaram surpreendentes em numerosos outros estudos, quaisquer que fossem os aspectos da percepção que abordamos, e isso mesmo quando foram elaboradas situações experimentais complexas concebidas para enganar seu ouvido musical.
A música é muito mais que um simples conjunto de sons que se unem em melodia.
"Onde há música não pode haver maldade." (Miguel de Cervantes).
Assim, num outro tipo de experimento, apresentamos peças musicais (melodias ou sequência de acordes) que interrompíamos ao acaso; os participantes deviam avaliar numa escala de 1 a 7 o grau de acabamento da melodia no momento da parada.
Esse método permite avaliar a precisão com a qual um ouvinte segue o desenrolar de um trecho cuja complexidade fizemos variar.
Pensávamos encontrar diferenças evidentes entre ouvintes profissionais e iniciantes. Mas os resultados dos dois grupos foram igualmente bons, inclusive quando as peças testadas eram complexas (como um prelúdio em mi maior de Chopin).
Nossos resultados estão de acordo com as conclusões de vários estudos neuropsicológicos recentes, em que a gravação dos potenciais evocados (mede-se a corrente elétrica na superfície do crânio dos pacientes) revela a presença de picos anormais quando músicos e não músicos ouvem acordes impróprios no contexto musical.
Estudos realizados com técnicas de imageamento cerebral sugerem também que a área de Broca, conhecida por seu papel no processamento da linguagem verbal, é muito ativa no processamento das estruturas sintáticas musicais, inclusive em ouvintes não músicos.
"Não sei uma nota de música. Nem preciso." (Elvis Presley)
Localização da Área de broca – cerca de 2 centímetros na direção de seta externa.
Isso mostra que os músicos não são os únicos a usar as áreas da linguagem do hemisfério esquerdo para processar a música.
Ao que tudo indica, a simples escuta da música torna o cérebro “músico”, e as aptidões musicais surpreendentes dos “não músicos” demonstram a grande plasticidade do cérebro humano no domínio musical. Graças a essa plasticidade, qualquer um pode se tornar especialista num campo que lhe é familiar, mesmo que permaneça incapaz de verbalizar as estruturas musicais percebidas.
"Depois do silêncio, aquilo que mais aproximadamente exprime o inexprimível é a música." (Aldous Huxley).
A música tonal
A música ocidental tonal se baseia num alfabeto de 12 notas organizadas em 24 acordes e em 24 tonalidades principais. Um acorde corresponde à execução de três notas simultâneas (dó-mi-sol para o acorde dó maior, por exemplo). Uma tonalidade corresponde a um subconjunto de sete notas (dó, ré, mi, fá, sol, lá, si para a escala de dó maior). Existem organizações hierárquicas no interior dessas tonalidades entre os acordes e entre as notas.
Algumas notas e alguns acordes atraem mais a atenção que outros: funcionam como “pontos de partida” para a percepção. O acorde de “tônica” (construído sobre a primeira nota da escala) é o mais atraente, superando o acorde de subdominante (construído sobre a quarta nota da escala). Assim, na tonalidade de dó maior, o acorde dó maior é o ponto de partida mais importante para a percepção do que o acorde fá maior. Essas diferenças correspondem às funções musicais dos acordes. Para compreender a música ocidental é necessário diferenciar essas funções musicais.
O autor Emmanuel Bigand, é professor de psicologia cognitiva, dirige o Laboratório de Estudos de Aprendizagem e do Desenvolvimento, UMR50222, da Universidade de Bourgogne, em Dijon, França.
"A arquitetura é uma música petrificada." (Arthur Schopenhauer)
Obs.: as frases foram inseridas no texto, por Rose Esquillaro
Obs.2: Daremos sequencia a esta matéria nos meses seguintes....